Riyuniyana (Parte 2)

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Antes que alguém me pergunte, já vou logo dizendo que não conheço nada sobre culturas orientais; ainda mais indianas, indonésias ou mesmo tailandesas. Esse sonho ocorreu nos anos 90, então não posso dizer que tinha como referência alguma novela da TV...

Me lembro que fui chamada pelo nome várias vezes enquanto vivia/assistia ao sonho, mas não me lembro de nenhum deles de modo que os nomes apresentados aqui são ficcionais e derivados do hindi.

Sim, você leu certo.
Em várias partes deste sonho era como se eu estivesse assistindo a ele. Uma espectadora. Em outras eu estava participando... isso foi meio novo pra mim.

Esse sonho foi muito estranho pois minha consciência estava totalmente passiva. Uma parte de mim sabia que sonhava, mas a Alya que estava lá apenas respondia aos estímulos como se aquela fosse minha realidade no momento. Por isso, mais importante que narrar o que aconteceu, é narrar o que vivi. Sim, porque não há outra explicação racional para esse sonho...

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Garva Mām fez a dança final. Estava lindamente vestida. Sua roupa dourada brilhava à luz das tochas. Peças esvoaçantes alternadas com a calça balonê e o corpete de gola alta.

Ela girava. Que equilíbrio! Vejam o olhar! Vejam a força, a energia, a habilidade que emana dela! Era a própria deusa a dançar!
Minha admiração por ela só aumentava quando eu via sua força e beleza em plena ação.

Eu via a sua apresentação de pé ao lado do tablado. Estava em posição de guardiã - mãos unidas, cabeça inclinada - deveria demonstrar reverência.

A música chega ao clímax, retumbando. Ela gira sobre os calcanhares e planta seus pés fortemente no chão num ângulo agudo. Todo seu corpo acompanha o movimento. As mãos com dedos expressivos e a cabeça em ângulo oposto com os olhos firmes. A posição da arqueira. Lindo final!

Ela não parecia já ser uma jovem senhora... Parecia muito mais jovem.
Seu corpo era muito longuilíneo. Quarenta anos, talvez? A mulher que víamos ali estava em plena formosura.

A plateia estava em glória. A energia deles estava equilibrada e o Vacta já poderia dar a palavra final.

Como mandira que eu era, meu papel era recolher todos os utensílios sagrados após a adoração. O cântico final coroou a homilia da noite e todos foram dispensados. Esperei o comando do Vacta para sair da posição de guardiã. Garva Mām passou por mim e sorriu-me antes de seguir para sua célula.

Estávamos no grande templo, santuário de nossa comunidade. Um local sagrado. As pessoas saíam vagarosamente.

Meus pais, que estavam bem perto do altar, me olharam orgulhosamente antes de saírem. Eu aquieci seus olhares e continuei meu trabalho. Eles sempre iam ao templo para orar e me ver. Eles não tinham permissão para falar comigo enquanto eu estivesse na função de mandira. Eu teria que esperar até a arama - o descanso - para poder ter com eles.

Viver no templo era uma grande honra, mas não era uma tarefa fácil. As bandejas de frutas estavam pesadas... Eu tinha que levá-las para os pés da deusa e realizava este trabalho sozinha. Todos saíram. Só restara a mim no salão do templo e...

Minha perspectiva mudou e vi o rapaz atrás da coluna esgueirando-se. Ele olhava furtivamente para a mocinha que estava próxima ao altar recolhendo a bandeja de frutas. Essa formava uma pirâmide exótica, elaborada com frutas variadas e ornada com flores coloridas também.

A moça, que aparentava uns quinze ou dezesseis anos, usava uma vestimenta em branco e vermelho de duas peças, algo similar a uma saia e uma camiseta que deixava a barriga à mostra. Havia um adorno na cabeça similar a um chapéu pontudo.

O rapaz sorriu. Havia ternura em seus olhos.
Ele também era muito jovem. Não devia ter mais que dezessete anos. O rosto moreno e imberbe era emoldurado por cabelos muito negros e lisos que escorriam pelas laterais e recuavam presos na nuca por uma trança fina. Os olhos amendoados e grandes amenizavam a geometria perfeita das maçãs de seu rosto fino e o septo reto de seu nariz. Era magro e forte. Usava algo similar a uma camiseta com vários colares e adornos cruzados sobre o peito. A calça folgada, de pernas bufantes, era apertada na cintura por uma faixa.

-- Gavāhī... Gavāhī Dēnā! - murmurou ele.

Dentro do salão vazio qualquer som se propagava.
Não precisei nem de um segundo para reconhecer aquela voz.

-- Prēmī! - quase gritei e meu estômago se revirou com alegria e medo. Instintivamente olhei para os lados para ver se havia mais alguém.

Todos deviam estar em suas células agora, quebrando o jejum. Acho que era seguro... Mesmo que não fosse, como resistir àquele chamado?

Desci do tablado e corri tão silenciosamente quanto pude em direção a ele. Meu sorriso era imenso. Três segundos e nossos corpos estavam colados num forte abraço. Ele ri abafado e me ergue girando num semicírculo. Eu rio também achando graça na brincadeira dele mas sinalizando com os olhos sobre o perigo.

Eu estava tão feliz por ele estar de volta, que o fato de nosso namoro ser proibido não importava naquele momento.

Ātmaghātī Prēmī era o filho de Garva Mām, a primeira da casta. Eu não era nada. Só uma mandira. Não tinha o direito de sequer olhar para ele. Meus pais iam casar-me com Krūra Ādamī, o capitão da guarda do templo; uma honra para nossa família. A decisão fora das famílias... não minha.

Eu me sentia muito culpada por isso. Por namorar Prēmī, por trair a confiança de Garva Mām - a mulher que me acolhera tão bem quando cheguei ao templo. Ela mesma havia me apresentado ao seu filho, aquele lindo e jovem aprendiz-guerreiro. Com a pequena diferença em nossas idades,- diferente de Krūra Ādamī, uns 10 anos mais velho que eu - ela pensara que seríamos como irmãos... Nos tornamos mais que isso.

Agora eu estava aqui... a colocar a honra de minha família em risco.
Estava apavorada...

Estes eram mais que motivos para proibição de nosso namoro. Era uma declaração de suicídio social, expulsão ou mesmo a morte.

Mas o que fazer quando Prēmī demonstrou me amar tanto?
Prēmī era lindo, amigo, e eu queria ficar com ele. Ele também queria ficar comigo. Posso ver isso em seus olhos.

Não. Não há culpa em mim por amá-lo. Eu sou correspondida. Um amor assim não pode ser um pecado. Não pode... Mas temo por ele. O que farão se descobrirem?

Os dois jovens abraçados transpareciam o que eram: dois adolescentes com seu primeiro amor. Depois do abraço eles se olham nos olhos. Havia mesmo um brilho neles. Suas mãos estavam entrelaçadas. Encantados um com o outro.

Eles trocaram algumas palavras. Não pude entender tudo o que diziam enquanto assistia à cena. Mas vi quando a alegria do encontro fora trocada por rostos de preocupação. Ela não queria continuar... Temia por suas vidas.

O rosto do rapaz se contorceu em súplica.
Ele iria dar um jeito. Iria falar com sua mãe. Iria pedir permissão.

Assim que sua trivia (que eu entendi como sendo um período de estudo básico) estivesse terminada, e só faltava uma lua, ele seria o segundo guerreiro e teria autoridade para fazer um pedido como aquele. Impor sua vontade.

Ela parece relutante. Olha para baixo. Sua cabeça meneando. Ele a conforta no aconchego de um abraço. Depois, segura seu rosto com ambas as mãos para que ela tornasse a olhar para cima. Ele beija sua testa.

-- Por favor... Eu darei um jeito nisso. Uma lua. É tudo que te peço. - murmura ele.

Ela suspira, e só o fato de pensar em ficar sem ele já faz seu coração doer... Nela, e em mim. Ela fecha os olhos e aceita. Não importa o que aconteça; ficarão juntos.
O beijo dos dois é lindo. Singelo e ao mesmo tempo cheio de promessas...

Fiquei absorta vendo aquilo... Tanto que quase perdi a movimentação por trás do tablado. Alguém tinha visto?

Foi difícil me libertar de seus doces lábios. Mas era hora de ir. Iam dar falta das frutas aos pés da deusa. Me despedi dele, prometendo-o que esperaria até a próxima lua. E só.

Ele viu em meu rosto que eu estava prestes a chorar com sua partida e me abraçou mais uma vez.

-- Não há motivo para chorar... Estarei sempre contigo. - murmurou ele, e pressionou seus lábios nos meus. Sorri, mas nem mesmo eu sabia porque queria chorar... Preocupação, eu acho...

Ele se foi.

Com o coração palpitando estranhamente, corri para terminar meu trabalho e depois subir para minha célula.

(Continua)