Mix (Parte 2)

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Meu Deus! Que inferno é este!?

Já havia sonhado com lugares feios antes: lugares que pareciam favelas, manguezais, florestas escuras... mas nunca havia sonhado com destruição. Destruição total.

Havíamos pousado nos restos do que teria sido uma rua. Todo o lugar, que parecia ser o centro de uma cidade, fora abalado por um terremoto. De um lado e do outro só se via escombros, pilhas de concreto, aço retorcido, cascalho, e muito pó. Pó que pairava no ar como uma neblina estática.

Estava escuro, mas eu podia enxergar o cenário como se uma luz amarela pousasse sobre tudo... Era como ver um filme em tons de sépia.

Quando comecei a entender o que estava ouvindo, Agnostha pousou suas mãos sobre meus ouvidos e fiquei surda. Ela não queria que eu me assustasse com os gemidos e o rugir de terra assentando-se que ainda pairavam no ar.

Um calafrio percorreu minha espinha só de imaginar o que eu poderia ver ali. De alguma forma eu entendi que ao me ensurdecer ela poupava-me de entrar em descontrole emocional. Ela não queria que eu me apavorasse e, consequentemente, acordasse.

Eu - apesar de saber que estava numa cena de terremoto, e na melhor das hipóteses estava tendo um pesadelo - sentia-me um pouco anestesiada. Sabia o que estava acontecendo, mas concordava em segui-la. Sentia a expectativa, no entanto, estava calma. Tinha que fazer o que viéramos fazer.... E ela ia me mostrar.

Caminhamos lado a lado em direção a uma montanha enorme de concreto. Conforme avançava para aquela pilha de cascalho o cenário ia mudando, como se reconstruído, e me vi dentro de um prédio.

Era um hospital. Enfermeiros e pacientes passavam normalmente para lá e para cá no corredor. Pareciam nos ignorar.

O filme avançou direto para um quarto onde sobre uma das camas próximas à janela estava uma solitária moça morena. Paramos, eu e a enorme mulher metálica, junto a parede no canto do quarto, próximo ao pé da sua cama, mas ela não nos percebeu. Éramos invisíveis.

A moça, que tinha entre 25 e 27 anos, era de uma beleza comum. Cabelos negros e lisos amarrados num coque, olhos amendoados levemente orientais. Estava mexendo distraidamente numa bolsa sobre o criado mudo ao lado. Era uma bolsa grande decorada com bichinhos e flores... Foi então que eu percebi que deveria estar numa maternidade pois a bolsa era uma daquelas que se usam quando se vai ter um bebê.

Olhei inquisitivamente para Agostha que apenas olhava a moça. Sem resposta. Virei a cabeça olhando novamente para a mulher, procurando por algo em especial.
Para meu espanto, o local todo tremeu e os vidros da janela trincaram!

Olhei apavorada para Agnostha e de novo para a moça que soltara um grito! ...E a escuridão nos cobriu!!!

Silêncio.
Não sentia nada. Apenas a escuridão. Mas compreendia perfeitamente o que havia acontecido. O local desmoronara. Estava ficando nervosa e minha garganta doía com vontade de chorar. Agnostha tocou meu braço e puxou-me dos escombros. Nós passamos através deles como se fossem nuvens. Eu estava desnorteada, porém íntegra. Ela me deixou sobre o monturo e na sequência mergulhou, afundando sob seus próprios pés como um fantasma. Em busca da moça.

Por um minuto fiquei só e angustiada. Eu sabia que à minha volta havia o caos e que se pudesse ouvir estaria desesperada. (Pessoas esmagadas! Argh! Senhor!) Inclinei sobre os destroços e chamei por Agnostha. Senti um toque em meu ombro e a iridescente estava atrás de mim.

Minhas lágrimas desciam, eu tentava me controlar. Mas percebi que Agnostha também estava triste. Agnostha consegue expressar-se através da máscara. Apesar de seu rosto ser esculpido em metal, ele é dotado de pequenos movimentos. Suas sobrancelhas inclinavam-se levemente para baixo. Olhei em seus olhos que agora não brilhavam. Neles havia apenas a esclera perolada.

Não encontrou a moça?


Ela, a moça, não queria ir... não queria partir... não sem seu bebê. Ela não o tinha visto quando nasceu. Fora um parto difícil. Ela não o queria... mas agora, arrependida, o quer. No entanto, não havia vínculo até então... Não há como reconhecê-lo... Ela está nervosa. Não consegue pensar coerentemente. Não consegue se concentrar no bebê. Não consegue transmitir sua humanidade para que o identifiquemos. É preciso outro humano para fazê-lo... eu. Eu tenho que fazer isso. Entendi.

As lágrimas salgavam minha boca e a angústia crescia. Aquela realidade onírica me pegara desprevenida.

Quando sonhava com Agnostha, ela fazia tudo. Me defendia dos maus, abria meus caminhos, me tirava voando dos perigos. Ela. Agora ela estava ali me pedindo para participar de um resgate justo quando estava mais consciente. Justo quando as barreiras entre o sonho e a realidade estavam tão tênues. Desejava sair daquele pesadelo...

Como fazer aquilo? Procurar um bebê nos escombros? Eu!? Medrosa, fraca e inapta do jeito que era? Como? Insegura??? Sempre fui, claro!!! As coisas pareciam grandes demais pra mim...

Ter medo é natural.. Eu sei... Uma hora o medo é real, é um aviso. Outras é imaginação... Mas como acreditar no meu juízo? No juízo que faço das coisas sem falhar? Saber a diferença...?

Fé!? Como ter fé? - comecei a soluçar como a criança que era - Tudo ao meu redor estava uma bagunça! Ninguém me ouvia! Alguém poderia me ouvir? Só você me ouve... - lembrei-me da situação que vivia em casa - Eu não conseguia entender como as coisas ficaram tão ruins... Qual era meu lugar naquele mundo?... Eu tinha um lugar? Eu tinha medo... Como superar tudo aquilo ali ou em casa...?

Naquele momento de pranto vi com assombro que estava no ponto de mutação. Eu ainda não tinha noção exata do que acontecia, mas sabia que o sonho e minha realidade estavam misturados de alguma forma. Eu crescia no sonho, e cresceria na vida real, ou eu sucumbia e ficaria uma garotinha assustada para sempre. A decisão era minha. Seria inevitável. Um dia eu tinha que tomar as rédeas de minha vida!

Agnostha de pé a minha frente olhava-me complacente. A ternura fluía de suas pérolas e as imagens continuavam a vir a mim.

Nós? Juntas? Como? Se creio em você?... Eu creio em você! Você é forte! Grande! Eu creio em você! - solucei - Sei... E você crê... Em Deus.

Ergui meus olhos.

Fé. Era disso que ela falava. Ter fé para enfrentar os problemas. Ter fé é acreditar que nada acontece sem que Deus saiba. Ter fé é saber que a força vem a ti quando precisar dela. A minha força estava ali. A força de Deus estava ali. Eu tinha que experimentar a Fé. Então...

... Eu creio em Deus também!!! - disse a ela usando meu pensamento e minha voz.

Tomei fôlego. Chega de choro!
Ela segurou minhas mãos e eu, que a esta altura estava de joelhos, ergui-me. Respirei fundo novamente e controlei a dor na garganta.
Era hora de crescer!

(Continua)

Mix (Parte 1)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Estava eu sentada junto à sarjeta da calçada conversando, como meu novo costume, com meus recentes amigos: Deguinha - a melhor amiga, Diana - a evangélica, Lucy - a tímida, Andy - a espevitada, Mary - a corpaço (segundo os meninos), Deick - o inquieto, Ricky - o de orientação sexual duvidosa, Cacá - a meiga... Éramos todos adolescentes, entre 13 e 15 anos.

Em um ano de nova moradia naquele bairro classe média, consegui ser aceita pelos adolescentes locais e foi muito confortante descobrir que pessoas bem legais moravam por lá. Integrei-me a esse grupo eclético. E sendo tão diferentes, éramos iguais em jovialidade e avidez por troca de experiências.

Nossa calçada era especial. Era um esquina em formato de "T", onde nos sentávamos no topo do T para observar as duas ruas ao mesmo tempo. Um único poste fazia a iluminação daquele trecho dando àquela esquina um aspecto de luz-no-fim-do-túnel para quem vinha das outras quadras - tão ruim era a iluminação daquele lugar. Minha casa compunha um dos ângulos da esquina e por isso ganhava um certo destaque no hall de casas simples da rua.

Nós, as meninas, tagarelávamos sobre o grupo Menudo de muito sucesso naquele tempo. Os meninos que estavam conosco caçoavam... cogitavam nosso gosto e chamavam eles de "gays".
Os meninos eram sempre assim... Sei que até pode ser verdade; que algum dos meninos do Menudo fossem gays...mas e daí? Eles morriam era de inveja daqueles fofinhos. Eu amava o Robby... Isso dava uma discussão superanimada.

Só quando vi aquele par de olhos neon brilhando suavemente no escuro, olhando-me do terraço de minha casa, é que percebi que sonhava...

Ai, meu Deus!

Agnostha estava sentada em posição indiana e encarava-me. Sendo tão negra, e não tendo luz daquele lado, não era fácil percebê-la lá em cima.

Não sei se foi o costume , ou se não estava totalmente consciente - se fosse na vida real eu provavelmente correria desesperada gritando - só sei que não me assustei.

Como disse, ela aparecia rotineiramente em meus sonhos depois que abri aquela porta e a partir de então eu tinha duas opções: ou contava pra minha mãe que há meses andava sonhando com uma andróide alienígena cor de grafite-escuro que conversava comigo por telepatia, e ela me mandava para um psicólogo... ou um exorcista; ou me acostumava com essa intromissão e tinha sonhos mais animados.
Fiquei com a segunda opção.

Senti que ela queria falar comigo. Pedi licença, acenei para os amigos e voltei para casa sem chamar a atenção.

Naquele ano ainda não tínhamos o segundo andar, que fora construído bem depois. Nosso terraço era apenas um espaço mal-utilizado ocupado por uma pilha de tijolos, caixas, garrafas vazias e vergalhões espetados que insinuavam os locais de onde novas vigas seriam construídas. Fui para os fundos e acessei a escada que dava para lá. Andei cautelosamente em meio às penumbras até ela.

Mal me aproximei e já sabia que alçaríamos voo. Sem palavras. As imagens apenas entravam na minha cabeça.

Ela ficou de pé sem um ruído. Era alta. Bem alta. Um pouco delgada até. A expressão tranquila. Seus movimentos pareciam pensados, tentando não me assustar. Seus olhos brilharam mais e me vi refletida naquele corpo espelhado dela. Ela laçou minhas costas e pernas com seus braços metálicos como se eu tivesse o peso de um lençol. Eu abracei seu pescoço. Seu toque era veludo. Não era fria. Me sentia como no colo de minha mãe.
Subimos. O terraço encolhendo rapidamente.

Voar com Agnostha, ou sendo Agnostha, é algo muito diferente: não se sente nada. Isso mesmo. Nada. Ela parece não se mover. Não há resistência do ar ou sensação de deslocamento. Ao que parece, o cenário é que se move ao redor dela, e não o contrário...

Depois de certa altura - uns 15 metros mais ou menos - subindo em linha reta, a paisagem girou 90 graus ao norte e aceleramos. Agora ela se inclinava numa posição horizontal. Eu confortável, sem nada sentir. Em um segundo atingimos uma velocidade inimaginável. Tudo abaixo parecia um borrão; ao alto, um manto negro com riscas de giz. Não vi muita coisa...

Quando dei por mim, estava num lugar horrível.
Destruição e Morte, dois dos cavaleiros do Apocalipse, estavam por lá...
(Continua)

Agnostha (Parte4)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O sorriso dela atravessou meu corpo como um choque!!!
E com este estalo fui puxada de volta com muita violência!

Num segundo senti como se mil de mim mesma estivessem caindo na cama - como fazem os jogadores de poker habilidosos com um baralho de cartas - E a cada camada nova que caía, um sentido novo era acionado.

Foi incrível!!! Durou segundos, mas foi incrível!!! Um chiado de estática castigava meus ouvidos e a sensação de espaço envolvia meu corpo enquanto várias de mim mesma sobrepunham-se em milésimos de segundo!!!

E finalmente, no segundo seguinte, minha consciência caiu naquele corpo! Meu próprio corpo!

Senti-me arfar profundamente arqueando minha coluna no momento em que fui reanimada com o pulso atroz de uma descarga elétrica!

Milionésimos depois tudo estava terminado.

Ofegante e desnorteada, sentei na cama e olhei em volta.

O quarto estava no mais perfeito silêncio. Minha irmãzinha dormia tranquilamente na cama ao lado.

Aquele era o momento de entrar em pânico, mas senti-me estranha na sequência... Calma.
Meus olhos ficaram sem foco e minha respiração desacelerou rapidamente... Meu coração também. Calma.Uma estranha calma.

Foi gradativo, mas rápido. Em três minutos me sentia muito calma. (Hoje eu imagino que essa calma me foi dada... Como uma criança passa por um sonho daqueles e fica calma?)

A tranquilidade se apossou de mim e cheguei a rir de mim mesma... Que imaginação! - pensei. Tornei a me deitar olhando para o teto e fiquei rememorando aquilo tudo. Que situação, meu Deus!

Virei de lado e senti um torpor... acho que dormi de novo... Sem sonhos.

Naquela manhã fui para a escola muito feliz e tranquila e entre um intervalo e outro fiz um desenho de minha heroína. (Ah! Sim. Porque alguém tão linda só poderia ser minha própria heroína...) Exagerei um pouco nos traços, insinuei roupas como um collant ou body. Depois fiquei admirando.

Naquele tempo sentávamos em carteiras escolares duplas e a coleguinha do lado ficou olhando com um vinco na testa.

-- Que é isso? - perguntou-me quando não conseguiu segurar mais a curiosidade.
-- Sonhei com ela... Acho que é uma andróide... - gostei de usar o termo. Achei que se aplicava bem ao caso.
-- Bacana... Você desenha bem. Eu também desenho. Quer ver? - e tirou da mochila seu caderno e me mostrou seus desenhos de bonecas vestidas ao estilo Barbie.

Definitivamente eu estava fora dos padrões das meninas de minha idade... As meninas desenhavam flores, bonecas, príncipes... E eu desenhava unicórnios, espaçonaves, guerreiras e andróides...
De qualquer modo, aquele foi um bom começo; fiz uma amizade. Dina - apelido carinhoso - me apresentou as outras coleguinhas e acabei aceita pelo grupo. Grupo pequeno... longe do holofote das populares, mas legal.

Passei os dias super bem... me sentindo forte, como há algum tempo não me sentia.

Na semana seguinte tornei a sonhar com ela... Isto é, ela estava no meu sonho. Observava-me.

Não havia notado a presença dela. Sonhava que estava na escola - que, aliás, já não tinha aquele cômodo-que-ninguém-ia - durante uma aula de matemática. Batera o sinal do recreio e nós saímos felizes como sempre. Ia comprar meu lanche quando a vi sentada elegantemente no telhado do quiosque da cantina. Me assustei um pouco mas ela só ficou lá. Olhava-me. Continuei sonhando normalmente.

Em outra ocasião sonhava que passeava com meus pais de carro. Ela estava de pé a beira da estrada, de novo apenas observando-me. O carro passou por ela... isso foi tudo.

Foi aí, que em uma outra noite sonhava que estava voltando de uma festa sozinha (Isso estava começando a ocorrer na vida real - de meus pais deixarem eu e uma nova amiga de minha rua, Deguinha, irmos sozinhas às festinhas juninas nas praças do bairro). Dois caras mal-encarados barraram meu caminho. Estava escuro, não havia ninguém por perto e eu já sabia o que era estupro. Senti pavor naquele momento. Não haveria escapatória. Meu sonho se tornaria um pesadelo horrível!

Ela apareceu do nada! Intrometeu-se entre mim e os caras, e num gesto simples empurrou-os a metros de distância com uma força sobre-humana. Apesar de estar salva, a surpresa da cena de ação - bastante vívida para mim - me fez acordar assustada. Mas depois fiquei bem.

Eu estava descobrindo esta força. E esta força estava me acompanhando. Isso era bom.

E assim foi indo... Depois daquela fatídica noite a personagem aparecia rotineiramente em meus sonhos. As vezes observando, as vezes participando. Foi realmente incômodo no início. Não que ela me assustasse... eu me assustava sozinha, só de ver aquilo... quer dizer, ela.

Demorou mas aos poucos sua presença foi se tornando comum e perdi o medo... Consciente ou não, ela estava por lá.

Ela simplesmente integrou-se ao meu imaginário - E até hoje, de uma forma ou de outra, ela faz parte de minha vida porque agora ela e eu somos a mesma pessoa.

Dei um nome a ela que, originalmente, não é Agnostha. Mas esse pseudônimo é necessário pois como algumas pessoas conheciam a personagem dos tempos escolares, achei por bem chamá-la diferente aqui neste blog... (A verdade é que me sinto meio boba por estar contando essas coisas...)
Bem... Agnostha veio depois, quando aprender línguas se tornou um hobby. "Agnostha", como já disse, significa "Desconhecida".

Sei que você deve estar pensando que existem várias explicações psicológicas para esta estória. E provavelmente existem. E provavelmente eu as aceito: um período familiar difícil; adaptatividade; hormônios adolescentes; surto de crescimento... Sim. Eu tinha bastante motivos para ter uma noite conturbada. Mas convenhamos que algumas coisas nessa situação são um pouco over... mesmo para uma adolescente.

Notem... Eu não tinha referências... Naquela época não existiam personagens cinematográficos que pudessem fazer parte do imaginário de ninguém, como os iridescentes de Exterminador do Futuro 2 e Surfista Prateado. Eu não lia revistinhas em quadrinhos - ah, sim... li toda coleção Vaga-Lume da época... - locadoras eram caras; e meu primeiro videogame, de cartucho, incluía Pac-Man e Space Invaders... Não eram lá um grande desafio mental... E mesmo que ainda a mídia tenha tido alguma influência; não há como negar que estive Agnostha em vários momentos importantes de minha vida...

Foi assim quando em sonho soube que viajaria para Aracaju, para Belém e para o Ceará; estive Agnostha quando enfrentei em sonho os avisos das três vezes em que quase morri; estava Agnostha quando me foram apresentados os dois caras que realmente fizeram diferença no amor... Coisas que vivi na vida real.

Agnostha é como uma armadura em que me torno quando me preparo para a guerra... E o mais interessante: minha profissão é ligada, indissociavelmente, aos livros... Livros!!! E já tinha sido avisada que assim o seria desde quando abri aquela porta aos 11 anos de idade: seria Bibliotecária. Biblioteconomia! - a profissão mais pacata do mundo (no imaginário das pessoas!)!!!

Agora que contei isso, me sinto mais aliviada. É bom registrar isso em algum lugar, mesmo num blog.

Ah, sim... Você pode comentar e me chamar de "louca", "maluca", "esquizofrênica" e tudo o mais... Mas eu não ligo. Não te obrigo a ler isso...

Espero ter coragem para contar outras coisas... Gostaria de saber como eu e Agnostha nos tornamos uma só?

(Continua)

Agnostha (Parte3)

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Foi com alívio, surpresa e admiração que entrei naquele ambiente.
Sabe quando você fica fascinado e seu queixo cai...? Pois é. Fiquei com aquela cara de babaca...

Uma Biblioteca!

Era uma sala enorme. Com o pé-direito de uns 3 andares. Muito Alto.
De frente pra mim abria-se um amplo espaço numa sala que parecia ter o formato octogonal.
Não haviam paredes visíveis. Estavam todas cobertas com prateleiras cheias de livros. Livros com lombadas rústicas e outras modernas, finas e grossas, de todas as cores e materiais.

Uma suave luz entrava pelo teto que era ocupado por um vitral decorado com arabescos. Isso dava ao ambiente um ar angelical e agradável como numa manhã de sol.
Tudo parecia estar em animação suspensa, como se há muito ninguém entrasse ali. Ainda assim, não registrei nenhum odor, seja papel ou mofo, tão comum em bibliotecas. O ar parecia mentolado e frio.

Fiquei olhando para as paredes de livros... dando alguns passos enquanto admirava. Me virei e foi aí que notei o sarcófago... (Juraria que não estava lá há um segundo atrás...). Estava no centro do octógono.

Parecia mesmo um sarcófago egípcio deitado sobre uma mesa de mesmo contorno. As laterais eram decoradas com símbolos e imagens que só me remetem, ao que posso compreender, à cultura egípcia.
Franzi o cenho estranhando aquilo. Destoava do cenário medieval em volta. Me aproximei mais e vi que não havia cobertura. Estava aberto.

Do ângulo e distância em que eu vinha não podia ver seu interior mas sabia que iria ter algo ali dentro. No mesmo segundo minha cabeça começou a vagar por todos os filmes de múmia que já tinha visto (ainda bem que naquela época, o filme "A Múmia" de Stephen Sommers estava longe de ser lançado!).
O medo me inundava e fiz força para não acordar... Sabia que tinha que ir até o fim; confrontar o conteúdo do sarcófago e acabar com aquele padrão onírico de "cômodos-que-ninguém-ia".

Avancei mais um pouco. Mas lentamente...
Pude ver alguns contornos, que para minha surpresa, não possuíam as esperadas ataduras de múmia. Me aproximei mais e foi com alívio que reconheci um brilho. Espelho?

Confiante, me aproximei da lateral do sarcófago e fiquei extasiada com o que vi.

Não era um espelho... Era uma estátua.
Uma escultura. Representava uma mulher alta. Acho que tinha uns 2 metros de altura.
Jazia com as mãos e seus dedos compridos entrelaçados sobre o peito.

Seus traços eram finos. Me lembravam a rainha Nefertiti: um rosto anguloso, lábios grossos e nariz bem definidos com olhos que, se estivessem abertos, pareceriam ligeiramente desproporcionais àquele rosto de tão grandes que eram. Sobrancelhas finas emolduravam estes grandes olhos e faziam uma leve curva nas têmporas.
Sua cabeça parecia estar coberta por um capacete que remetia àquele adorno egípcio que pode ser visto na deusa Bastet, porém estilizado. Era curto. Não cobria o pescoço... Isso mesmo... seu rosto era uma mistura de Nefertiti com Bastet... só que com linhas mais ousadas... de uma certa forma contemporânea.

Que coisa linda! Um ar milenar com um toque futurista...

Quanto a seu corpo, não haviam linhas ou outros adornos que assinalassem roupas. Ao que tudo indicava, ela estava nua. No entanto, pelo que notei, este fora esculpido para parecer vestido, como se estivesse usando uma roupa de mergulho - ou algo similar - já que os ângulos revelavam muito, mas não tudo.

Era um corpo esguio, atlético, musculoso, mas sem exageros.
Seios proporcionais - nem grandes, nem pequenos; uma cintura fina seguida de quadris bem demarcados. Pernas fortes e compridas. Não haviam dedos nos pés. Estavam apenas insinuados, como em um sapato ou meias. Suas curvas eram muito aerodinâmicas. Ela era longilínea... Quase alienígena...

Alienígena, sim porque - acho até que deveria ter falado isso primeiro - ela era toda feita de metal... Isso mesmo. Uma escultura metálica... Um metal de cor grafite-escuro. Quase negro.

O metal negro - ou o que quer que fosse - parecia ter sido misturado a uma purpurina finíssima, prateada, que cintilava levemente ao longo de toda aquela obra de arte. Era como um aço polido... onde eu podia ver meu próprio reflexo distorcido sobre os ângulos de seu corpo.... (Daí a confusão com um espelho...)

Era incrível!!! Era linda!!! Era assustadora!!!

Eu fiquei encantada com tudo... A quietude e tranquilidade do sonho... as cores... o ar... o ambiente mágico... Eu... - a Alya-criança-quase-adolescente - admirando uma obra de arte... Era como um sonho mágico de uma noite de verão.

Sem notar... Sem ao menos ter consciência do ato... Minha mão direita - pequena, se comparada à dela - estava tocando os dedos sobre seu peito.
Curiosidade.

Mal estabeleci contato e sua cabeça se virou pra mim! Seus olhos se acenderam - literalmente - como se fossem feitos de mil leds branco-azulados e sua boca, mesmo sendo esculpida sobre o metal, esboçou um sorriso!

(Continua)

Agnostha (Parte2)

sábado, 10 de outubro de 2009

Me lembro de ter tido pesadelos quando era criança.

Uma vez sonhei com um gorila e acordei chorando; outra, com bruxas e uma outra, com ter sido abandonada numa estação de trêm. Eu era pequena e a TV tinha sempre uma influência direta ou indireta nestes pesadelos. Além disso, eram passageiros. Você sonha uma vez e não sonha mais. São uma expressão de um momento e pronto.
Não foi o caso do "cômodo-que-ninguém-ia".

Não posso dizer também que era um pesadelo... Mas quando você sonha duas a três vezes por semana com o mesmo sonho, você começa a achar aquilo pesadelar...
Era um padrão repetitivo.

Toda vez que eu sonhava que estava em casa, nela havia um cômodo que ninguém ia. Toda vez que sonhava que estava na escola, tinha uma sala em que ninguém entrava. Toda vez que sonhava com qualquer ambiente fechado... pronto! Tinha uma sala, um cômodo, que ninguém estava autorizado a entrar.

Na maioria das vezes era só uma porta. Fechada. Coisa simples. Em outras era representada por um corredor tortuoso no qual ao fim se encontrava a tal porta trancada.
Nesses sonhos eu passava pelo corredor e via a porta. Sabia que era proibido e só. Ignorava e continuava sonhando. Em outras vezes alguém, um circunstante de sonho qualquer, fazia um comentário: "Não entre ali. É proibido." Eu obedecia e seguia minha noite normalmente.

Esse padrão vinha se repetindo por semanas, talvez uns dois meses, até que uma noite eu estava mais consciente.... e mais curiosa.

Me vi numa casa antiga enorme.
Eu estava de pé no meio de uma sala - Sabia que sonhava. Até ri comigo mesma - Olhei em volta e uma decoração rústica ocupava o ambiente. Cadeiras torneadas ao redor de uma grande mesa de madeira no mesmo padrão. Estandartes nas paredes. Castiçais sobre o aparador escuro. Poderia ser um castelo. Sim, era. Um daqueles bem cliché.

Em uma das paredes havia um portal que dava para um corredor. O tal corredor, pensei.

Avancei para ele. Pra quê ficaria parada ali? Sabia que devia seguir... E agora, que sabia que estava sonhando poderia explorar aquele ambiente diferente.
Caminhei um pouco. As paredes de pedra eram iluminadas por tochas espaças. Eu ficava mais tensa ao andar.
O corredor era extenso demais e fazia uma leve curva aonde parecia mais escuro. Não dava para ver seu fim.

Agora meus passos faziam barulho no piso de mármore. Só ouvia a mim mesma. O silêncio era gritante.
Eu sabia que encontraria a porta... e sabia também que ela não estaria trancada... Fragilizada, minhas mãos se uniram sobre meu peito, e conforme eu caminhava eu ficava mais suspeita.
Mais escuro e eu mais amedrontada.
Um film noir começava a se formar em minha cabeça... imaginei a porta aberta... algo aterrorizante em seu interior... Talvez um vampiro, um monstro... Quem sabe um serial killer?... O quê? O que poderia ser?
Meu coração palpitava!

LUZ!

Acordei assustada.
Olhos arregalados, o coração ainda batendo forte.
Não consegui virar a curva e chegar até o fim do corredor... era muito assustador.

-- Acalme-se, Alya! É só um sonho. - falei pra mim mesma.

Ofeguei um pouco, depois deitei. Demorou algum tempo para eu voltar a dormir, e quando consegui, estava eu lá, incrivelmente, no ponto em que parei!!!

Tornei a acordar. Que droga! Meu peito reclamava angustiado.
Meu impulso foi correr para a cama dos meus pais e dormir por lá... mas eu já era bem grandinha para aquilo... daí me controlei. Virei de lado e vi minha irmã em seu soninho perfeito na cama vizinha. Me contentei com sua companhia e relaxei. Fiquei zanzando pelos pensamentos até que o dia clareou e levantei para ir para a escola.

Sabia que numa outra noite tornaria a ver a porta. Sabia que não tinha opção a não ser entrar naquele cômodo que ninguém ia. Tinha que fazê-lo. Acabar com aquele padrão.

Pois bem, dois dias depois, naquela mesma semana, sonhei que estava em casa. Sonho banal.
Entrei no corredor da copa e... não era mais o corredor que dava para a copa... era aquele corredor. Reconheci de imediato. Estagnei.

A consciência me veio clara. Sabia que sonhava.
Olhei em volta. Nada de assustador. Só o mesmo corredor com uma flâmula iluminando alguns metros adiante de mim. Desta vez me sentia mais forte. Avancei.
O mesmo silêncio; só o barulho de meus pés no piso frio. Estaria descalça? Sei lá!
Continuei andando. Controlando o pavor. Os punhos apertados.

Finalmente venci a curva e via a porta, desta vez representada por uma pesada porta de madeira num estilo que combinava com o corredor medieval.
Avancei timidamente e segurei a argola que fazia a vez da maçaneta. Neste momento, ouvi uma voz, doce e clara, parecendo ser feminina:

--Tem certeza que vai entrar? Você será modificada para sempre....

Não me assustou. A voz estava atrás de mim. Não me virei para ver. A voz parecia apenas querer avisar. Esclarecer. Não impor ou proibir.

-- Eu tenho que fazer isso. - respondi taciturna, mas decidida, ainda olhando a argola que segurava.

Não houve resposta.
Eu fiz uma pequena força e empurrei a madeira deixando o cenário se descortinar a minha frente.

(Continua)

Agnostha (Parte1)

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Deixa eu explicar como é este negócio de "estar Agnostha".
Confesso a vocês que de tudo que me é estranho, estar Agnostha é o mais estranho.

Não só pela profusão de sensações - que espero tentar fazê-los vislumbrar - mas porque tenho consciência que é algo que chega a soar meio ridículo... meio estória em quadrinhos, HQ, sabe?
Chego a ficar sem jeito para contar essa estória mas ao mesmo tempo é algo tão inerente ao meu mundo onírico, astral, irreal - seja lá que mundo que é esse o meu - que não dá para ignorar. Afinal, ela...quer dizer, eu...quer dizer, isso... dá nome a este blog.

Bem... foi tudo lá pelos anos 80. Eu era pré-adolescente (juro que vou fazer uma força danada para não revelar minha idade atual).
Havíamos nos mudado para uma nova casa própria - um feito para uma família brasileira já que todo mundo vive de aluguel.
Era uma casa num bairro residencial da baixada (também vou fazer uma força danada para não revelar meus endereços), térrea, recém-construída, ainda inacabada, mas tinha um amplo quintal e a possibilidade de expansão dos cômodos agradava meus pais.

Depois que minha mãe começara a trabalhar, nossa vida tinha melhorado sensivelmente - economicamente falando - e aquela casa era a primeira marca de um novo tempo para nossa família.
A ida de minha mãe para o mercado não só foi bom para nossas finanças, mas foi bom também para ela, como pessoa. Ela abriu os olhos em relação a muitas coisas.
Pessoas, governo, vida... Várias coisas que em seu mundo rosa de dona-de-casa eram perfeitas em si mesmas começaram a adquirir novos contornos mais realistas. E uma das realidades que mais nos impactou foi sua nova visão sobre seu marido, meu pai.
Depois de 15 anos vivendo sob sua guarda, dependendo dele para tudo, e sendo grata por isso, ela começava a perceber através de suas novas vivências como ele a controlava e o quanto era... digamos... infiel.

Suas desconfianças a levavam a crer que ele - como se diz mesmo? - "pulava a cerca" de vez em quando.
Ela nunca flagrou nada, nem tampouco algum incauto lhe afirmara nada, mas depois que ela começou a entender os esquemas da vida da rua, ver algumas ausências como comprometedoras e alguns sorrisos como dúbios foi uma questão de tempo até o início das brigas por ciúmes fundados e infundados.

Meu pai sempre foi um bom pai. Um pai que nada deixa faltar em casa, nem à mulher.
Ah, sim, sempre teve seus defeitos... Mas quem não tem?
Contudo, com o tempo as brigas foram se agravando. E, inevitavelmente, chegaram a um ponto crítico; com berros e troca de malediscências, onde não víamos, na época, outra saída a não ser a separação.
Eles faziam o possível para deixar a nós - eu, minha irmã e meu irmão - de fora das discussões. Mas havendo traição ou não, nenhum filho quer ver sua família dividida... e aquela fase gerou reações diversas.

Graças a Deus nenhum de nós se tornou um delinquente nem nada disso. Sabíamos que éramos amados, e esse amor nos aquecia e manteve nossa unidade básica, mas de qualquer modo éramos muito jovens, com a personalidade em formação, e as marcas ficaram através dos tempos até a atualidade.

Meu irmão, o filho do meio, ainda um menino na época, começou a ter notas baixas na escola e apesar de depois ter concluído o ensino médio, perdeu seu interesse pelos estudos acadêmicos. Tão logo se viu fora da escola tratou de arranjar um emprego e depois fez sua própria família.
Minha irmã, a caçula, ainda muito criança, se apegou mais aos amiguinhos e sendo tão carismática, até hoje possui este traço pessoal de ser a superpopular em todos os meios em que circula. E eu, a primogênita e mais introspectiva, me enfiei cada vez mais nos livros e nos estudos como um oásis de paz... como faço até hoje.

Ah, sim, a fase passou.... (de vez em quando ainda tem um arrancarrabo...) Os dois estão juntos até hoje. Aceitaram os erros do passado, curtem o presente, e mais apaixonados do que nunca em seus mais de 30 anos de casamento.
Como o mundo dá voltas... Acho que ao fim todos crescemos, de certa forma...

Mas foi nesta época, com esse clima pesado no lar, com a casa nova, escola nova e poucos amigos, que comecei a sonhar com o "cômodo-que-ninguém-ia". Que lugar sinistro!
(Continua)