Agnostha (Parte4)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

O sorriso dela atravessou meu corpo como um choque!!!
E com este estalo fui puxada de volta com muita violência!

Num segundo senti como se mil de mim mesma estivessem caindo na cama - como fazem os jogadores de poker habilidosos com um baralho de cartas - E a cada camada nova que caía, um sentido novo era acionado.

Foi incrível!!! Durou segundos, mas foi incrível!!! Um chiado de estática castigava meus ouvidos e a sensação de espaço envolvia meu corpo enquanto várias de mim mesma sobrepunham-se em milésimos de segundo!!!

E finalmente, no segundo seguinte, minha consciência caiu naquele corpo! Meu próprio corpo!

Senti-me arfar profundamente arqueando minha coluna no momento em que fui reanimada com o pulso atroz de uma descarga elétrica!

Milionésimos depois tudo estava terminado.

Ofegante e desnorteada, sentei na cama e olhei em volta.

O quarto estava no mais perfeito silêncio. Minha irmãzinha dormia tranquilamente na cama ao lado.

Aquele era o momento de entrar em pânico, mas senti-me estranha na sequência... Calma.
Meus olhos ficaram sem foco e minha respiração desacelerou rapidamente... Meu coração também. Calma.Uma estranha calma.

Foi gradativo, mas rápido. Em três minutos me sentia muito calma. (Hoje eu imagino que essa calma me foi dada... Como uma criança passa por um sonho daqueles e fica calma?)

A tranquilidade se apossou de mim e cheguei a rir de mim mesma... Que imaginação! - pensei. Tornei a me deitar olhando para o teto e fiquei rememorando aquilo tudo. Que situação, meu Deus!

Virei de lado e senti um torpor... acho que dormi de novo... Sem sonhos.

Naquela manhã fui para a escola muito feliz e tranquila e entre um intervalo e outro fiz um desenho de minha heroína. (Ah! Sim. Porque alguém tão linda só poderia ser minha própria heroína...) Exagerei um pouco nos traços, insinuei roupas como um collant ou body. Depois fiquei admirando.

Naquele tempo sentávamos em carteiras escolares duplas e a coleguinha do lado ficou olhando com um vinco na testa.

-- Que é isso? - perguntou-me quando não conseguiu segurar mais a curiosidade.
-- Sonhei com ela... Acho que é uma andróide... - gostei de usar o termo. Achei que se aplicava bem ao caso.
-- Bacana... Você desenha bem. Eu também desenho. Quer ver? - e tirou da mochila seu caderno e me mostrou seus desenhos de bonecas vestidas ao estilo Barbie.

Definitivamente eu estava fora dos padrões das meninas de minha idade... As meninas desenhavam flores, bonecas, príncipes... E eu desenhava unicórnios, espaçonaves, guerreiras e andróides...
De qualquer modo, aquele foi um bom começo; fiz uma amizade. Dina - apelido carinhoso - me apresentou as outras coleguinhas e acabei aceita pelo grupo. Grupo pequeno... longe do holofote das populares, mas legal.

Passei os dias super bem... me sentindo forte, como há algum tempo não me sentia.

Na semana seguinte tornei a sonhar com ela... Isto é, ela estava no meu sonho. Observava-me.

Não havia notado a presença dela. Sonhava que estava na escola - que, aliás, já não tinha aquele cômodo-que-ninguém-ia - durante uma aula de matemática. Batera o sinal do recreio e nós saímos felizes como sempre. Ia comprar meu lanche quando a vi sentada elegantemente no telhado do quiosque da cantina. Me assustei um pouco mas ela só ficou lá. Olhava-me. Continuei sonhando normalmente.

Em outra ocasião sonhava que passeava com meus pais de carro. Ela estava de pé a beira da estrada, de novo apenas observando-me. O carro passou por ela... isso foi tudo.

Foi aí, que em uma outra noite sonhava que estava voltando de uma festa sozinha (Isso estava começando a ocorrer na vida real - de meus pais deixarem eu e uma nova amiga de minha rua, Deguinha, irmos sozinhas às festinhas juninas nas praças do bairro). Dois caras mal-encarados barraram meu caminho. Estava escuro, não havia ninguém por perto e eu já sabia o que era estupro. Senti pavor naquele momento. Não haveria escapatória. Meu sonho se tornaria um pesadelo horrível!

Ela apareceu do nada! Intrometeu-se entre mim e os caras, e num gesto simples empurrou-os a metros de distância com uma força sobre-humana. Apesar de estar salva, a surpresa da cena de ação - bastante vívida para mim - me fez acordar assustada. Mas depois fiquei bem.

Eu estava descobrindo esta força. E esta força estava me acompanhando. Isso era bom.

E assim foi indo... Depois daquela fatídica noite a personagem aparecia rotineiramente em meus sonhos. As vezes observando, as vezes participando. Foi realmente incômodo no início. Não que ela me assustasse... eu me assustava sozinha, só de ver aquilo... quer dizer, ela.

Demorou mas aos poucos sua presença foi se tornando comum e perdi o medo... Consciente ou não, ela estava por lá.

Ela simplesmente integrou-se ao meu imaginário - E até hoje, de uma forma ou de outra, ela faz parte de minha vida porque agora ela e eu somos a mesma pessoa.

Dei um nome a ela que, originalmente, não é Agnostha. Mas esse pseudônimo é necessário pois como algumas pessoas conheciam a personagem dos tempos escolares, achei por bem chamá-la diferente aqui neste blog... (A verdade é que me sinto meio boba por estar contando essas coisas...)
Bem... Agnostha veio depois, quando aprender línguas se tornou um hobby. "Agnostha", como já disse, significa "Desconhecida".

Sei que você deve estar pensando que existem várias explicações psicológicas para esta estória. E provavelmente existem. E provavelmente eu as aceito: um período familiar difícil; adaptatividade; hormônios adolescentes; surto de crescimento... Sim. Eu tinha bastante motivos para ter uma noite conturbada. Mas convenhamos que algumas coisas nessa situação são um pouco over... mesmo para uma adolescente.

Notem... Eu não tinha referências... Naquela época não existiam personagens cinematográficos que pudessem fazer parte do imaginário de ninguém, como os iridescentes de Exterminador do Futuro 2 e Surfista Prateado. Eu não lia revistinhas em quadrinhos - ah, sim... li toda coleção Vaga-Lume da época... - locadoras eram caras; e meu primeiro videogame, de cartucho, incluía Pac-Man e Space Invaders... Não eram lá um grande desafio mental... E mesmo que ainda a mídia tenha tido alguma influência; não há como negar que estive Agnostha em vários momentos importantes de minha vida...

Foi assim quando em sonho soube que viajaria para Aracaju, para Belém e para o Ceará; estive Agnostha quando enfrentei em sonho os avisos das três vezes em que quase morri; estava Agnostha quando me foram apresentados os dois caras que realmente fizeram diferença no amor... Coisas que vivi na vida real.

Agnostha é como uma armadura em que me torno quando me preparo para a guerra... E o mais interessante: minha profissão é ligada, indissociavelmente, aos livros... Livros!!! E já tinha sido avisada que assim o seria desde quando abri aquela porta aos 11 anos de idade: seria Bibliotecária. Biblioteconomia! - a profissão mais pacata do mundo (no imaginário das pessoas!)!!!

Agora que contei isso, me sinto mais aliviada. É bom registrar isso em algum lugar, mesmo num blog.

Ah, sim... Você pode comentar e me chamar de "louca", "maluca", "esquizofrênica" e tudo o mais... Mas eu não ligo. Não te obrigo a ler isso...

Espero ter coragem para contar outras coisas... Gostaria de saber como eu e Agnostha nos tornamos uma só?

(Continua)

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