Mix (Parte 1)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Estava eu sentada junto à sarjeta da calçada conversando, como meu novo costume, com meus recentes amigos: Deguinha - a melhor amiga, Diana - a evangélica, Lucy - a tímida, Andy - a espevitada, Mary - a corpaço (segundo os meninos), Deick - o inquieto, Ricky - o de orientação sexual duvidosa, Cacá - a meiga... Éramos todos adolescentes, entre 13 e 15 anos.

Em um ano de nova moradia naquele bairro classe média, consegui ser aceita pelos adolescentes locais e foi muito confortante descobrir que pessoas bem legais moravam por lá. Integrei-me a esse grupo eclético. E sendo tão diferentes, éramos iguais em jovialidade e avidez por troca de experiências.

Nossa calçada era especial. Era um esquina em formato de "T", onde nos sentávamos no topo do T para observar as duas ruas ao mesmo tempo. Um único poste fazia a iluminação daquele trecho dando àquela esquina um aspecto de luz-no-fim-do-túnel para quem vinha das outras quadras - tão ruim era a iluminação daquele lugar. Minha casa compunha um dos ângulos da esquina e por isso ganhava um certo destaque no hall de casas simples da rua.

Nós, as meninas, tagarelávamos sobre o grupo Menudo de muito sucesso naquele tempo. Os meninos que estavam conosco caçoavam... cogitavam nosso gosto e chamavam eles de "gays".
Os meninos eram sempre assim... Sei que até pode ser verdade; que algum dos meninos do Menudo fossem gays...mas e daí? Eles morriam era de inveja daqueles fofinhos. Eu amava o Robby... Isso dava uma discussão superanimada.

Só quando vi aquele par de olhos neon brilhando suavemente no escuro, olhando-me do terraço de minha casa, é que percebi que sonhava...

Ai, meu Deus!

Agnostha estava sentada em posição indiana e encarava-me. Sendo tão negra, e não tendo luz daquele lado, não era fácil percebê-la lá em cima.

Não sei se foi o costume , ou se não estava totalmente consciente - se fosse na vida real eu provavelmente correria desesperada gritando - só sei que não me assustei.

Como disse, ela aparecia rotineiramente em meus sonhos depois que abri aquela porta e a partir de então eu tinha duas opções: ou contava pra minha mãe que há meses andava sonhando com uma andróide alienígena cor de grafite-escuro que conversava comigo por telepatia, e ela me mandava para um psicólogo... ou um exorcista; ou me acostumava com essa intromissão e tinha sonhos mais animados.
Fiquei com a segunda opção.

Senti que ela queria falar comigo. Pedi licença, acenei para os amigos e voltei para casa sem chamar a atenção.

Naquele ano ainda não tínhamos o segundo andar, que fora construído bem depois. Nosso terraço era apenas um espaço mal-utilizado ocupado por uma pilha de tijolos, caixas, garrafas vazias e vergalhões espetados que insinuavam os locais de onde novas vigas seriam construídas. Fui para os fundos e acessei a escada que dava para lá. Andei cautelosamente em meio às penumbras até ela.

Mal me aproximei e já sabia que alçaríamos voo. Sem palavras. As imagens apenas entravam na minha cabeça.

Ela ficou de pé sem um ruído. Era alta. Bem alta. Um pouco delgada até. A expressão tranquila. Seus movimentos pareciam pensados, tentando não me assustar. Seus olhos brilharam mais e me vi refletida naquele corpo espelhado dela. Ela laçou minhas costas e pernas com seus braços metálicos como se eu tivesse o peso de um lençol. Eu abracei seu pescoço. Seu toque era veludo. Não era fria. Me sentia como no colo de minha mãe.
Subimos. O terraço encolhendo rapidamente.

Voar com Agnostha, ou sendo Agnostha, é algo muito diferente: não se sente nada. Isso mesmo. Nada. Ela parece não se mover. Não há resistência do ar ou sensação de deslocamento. Ao que parece, o cenário é que se move ao redor dela, e não o contrário...

Depois de certa altura - uns 15 metros mais ou menos - subindo em linha reta, a paisagem girou 90 graus ao norte e aceleramos. Agora ela se inclinava numa posição horizontal. Eu confortável, sem nada sentir. Em um segundo atingimos uma velocidade inimaginável. Tudo abaixo parecia um borrão; ao alto, um manto negro com riscas de giz. Não vi muita coisa...

Quando dei por mim, estava num lugar horrível.
Destruição e Morte, dois dos cavaleiros do Apocalipse, estavam por lá...
(Continua)

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