Meu Deus! Que inferno é este!?
Já havia sonhado com lugares feios antes: lugares que pareciam favelas, manguezais, florestas escuras... mas nunca havia sonhado com destruição. Destruição total.
Havíamos pousado nos restos do que teria sido uma rua. Todo o lugar, que parecia ser o centro de uma cidade, fora abalado por um terremoto. De um lado e do outro só se via escombros, pilhas de concreto, aço retorcido, cascalho, e muito pó. Pó que pairava no ar como uma neblina estática.
Estava escuro, mas eu podia enxergar o cenário como se uma luz amarela pousasse sobre tudo... Era como ver um filme em tons de sépia.
Quando comecei a entender o que estava ouvindo, Agnostha pousou suas mãos sobre meus ouvidos e fiquei surda. Ela não queria que eu me assustasse com os gemidos e o rugir de terra assentando-se que ainda pairavam no ar.
Um calafrio percorreu minha espinha só de imaginar o que eu poderia ver ali. De alguma forma eu entendi que ao me ensurdecer ela poupava-me de entrar em descontrole emocional. Ela não queria que eu me apavorasse e, consequentemente, acordasse.
Eu - apesar de saber que estava numa cena de terremoto, e na melhor das hipóteses estava tendo um pesadelo - sentia-me um pouco anestesiada. Sabia o que estava acontecendo, mas concordava em segui-la. Sentia a expectativa, no entanto, estava calma. Tinha que fazer o que viéramos fazer.... E ela ia me mostrar.
Caminhamos lado a lado em direção a uma montanha enorme de concreto. Conforme avançava para aquela pilha de cascalho o cenário ia mudando, como se reconstruído, e me vi dentro de um prédio.
Era um hospital. Enfermeiros e pacientes passavam normalmente para lá e para cá no corredor. Pareciam nos ignorar.
O filme avançou direto para um quarto onde sobre uma das camas próximas à janela estava uma solitária moça morena. Paramos, eu e a enorme mulher metálica, junto a parede no canto do quarto, próximo ao pé da sua cama, mas ela não nos percebeu. Éramos invisíveis.
A moça, que tinha entre 25 e 27 anos, era de uma beleza comum. Cabelos negros e lisos amarrados num coque, olhos amendoados levemente orientais. Estava mexendo distraidamente numa bolsa sobre o criado mudo ao lado. Era uma bolsa grande decorada com bichinhos e flores... Foi então que eu percebi que deveria estar numa maternidade pois a bolsa era uma daquelas que se usam quando se vai ter um bebê.
Olhei inquisitivamente para Agostha que apenas olhava a moça. Sem resposta. Virei a cabeça olhando novamente para a mulher, procurando por algo em especial.
Para meu espanto, o local todo tremeu e os vidros da janela trincaram!
Olhei apavorada para Agnostha e de novo para a moça que soltara um grito! ...E a escuridão nos cobriu!!!
Silêncio.
Não sentia nada. Apenas a escuridão. Mas compreendia perfeitamente o que havia acontecido. O local desmoronara. Estava ficando nervosa e minha garganta doía com vontade de chorar. Agnostha tocou meu braço e puxou-me dos escombros. Nós passamos através deles como se fossem nuvens. Eu estava desnorteada, porém íntegra. Ela me deixou sobre o monturo e na sequência mergulhou, afundando sob seus próprios pés como um fantasma. Em busca da moça.
Por um minuto fiquei só e angustiada. Eu sabia que à minha volta havia o caos e que se pudesse ouvir estaria desesperada. (Pessoas esmagadas! Argh! Senhor!) Inclinei sobre os destroços e chamei por Agnostha. Senti um toque em meu ombro e a iridescente estava atrás de mim.
Minhas lágrimas desciam, eu tentava me controlar. Mas percebi que Agnostha também estava triste. Agnostha consegue expressar-se através da máscara. Apesar de seu rosto ser esculpido em metal, ele é dotado de pequenos movimentos. Suas sobrancelhas inclinavam-se levemente para baixo. Olhei em seus olhos que agora não brilhavam. Neles havia apenas a esclera perolada.
Não encontrou a moça?
Ela, a moça, não queria ir... não queria partir... não sem seu bebê. Ela não o tinha visto quando nasceu. Fora um parto difícil. Ela não o queria... mas agora, arrependida, o quer. No entanto, não havia vínculo até então... Não há como reconhecê-lo... Ela está nervosa. Não consegue pensar coerentemente. Não consegue se concentrar no bebê. Não consegue transmitir sua humanidade para que o identifiquemos. É preciso outro humano para fazê-lo... eu. Eu tenho que fazer isso. Entendi.
As lágrimas salgavam minha boca e a angústia crescia. Aquela realidade onírica me pegara desprevenida.
Quando sonhava com Agnostha, ela fazia tudo. Me defendia dos maus, abria meus caminhos, me tirava voando dos perigos. Ela. Agora ela estava ali me pedindo para participar de um resgate justo quando estava mais consciente. Justo quando as barreiras entre o sonho e a realidade estavam tão tênues. Desejava sair daquele pesadelo...
Como fazer aquilo? Procurar um bebê nos escombros? Eu!? Medrosa, fraca e inapta do jeito que era? Como? Insegura??? Sempre fui, claro!!! As coisas pareciam grandes demais pra mim...
Ter medo é natural.. Eu sei... Uma hora o medo é real, é um aviso. Outras é imaginação... Mas como acreditar no meu juízo? No juízo que faço das coisas sem falhar? Saber a diferença...?
Fé!? Como ter fé? - comecei a soluçar como a criança que era - Tudo ao meu redor estava uma bagunça! Ninguém me ouvia! Alguém poderia me ouvir? Só você me ouve... - lembrei-me da situação que vivia em casa - Eu não conseguia entender como as coisas ficaram tão ruins... Qual era meu lugar naquele mundo?... Eu tinha um lugar? Eu tinha medo... Como superar tudo aquilo ali ou em casa...?
Naquele momento de pranto vi com assombro que estava no ponto de mutação. Eu ainda não tinha noção exata do que acontecia, mas sabia que o sonho e minha realidade estavam misturados de alguma forma. Eu crescia no sonho, e cresceria na vida real, ou eu sucumbia e ficaria uma garotinha assustada para sempre. A decisão era minha. Seria inevitável. Um dia eu tinha que tomar as rédeas de minha vida!
Agnostha de pé a minha frente olhava-me complacente. A ternura fluía de suas pérolas e as imagens continuavam a vir a mim.
Nós? Juntas? Como? Se creio em você?... Eu creio em você! Você é forte! Grande! Eu creio em você! - solucei - Sei... E você crê... Em Deus.
Ergui meus olhos.
Fé. Era disso que ela falava. Ter fé para enfrentar os problemas. Ter fé é acreditar que nada acontece sem que Deus saiba. Ter fé é saber que a força vem a ti quando precisar dela. A minha força estava ali. A força de Deus estava ali. Eu tinha que experimentar a Fé. Então...
... Eu creio em Deus também!!! - disse a ela usando meu pensamento e minha voz.
Tomei fôlego. Chega de choro!
Ela segurou minhas mãos e eu, que a esta altura estava de joelhos, ergui-me. Respirei fundo novamente e controlei a dor na garganta.
Era hora de crescer!
(Continua)
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
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