Agnostha (Parte2)

sábado, 10 de outubro de 2009

Me lembro de ter tido pesadelos quando era criança.

Uma vez sonhei com um gorila e acordei chorando; outra, com bruxas e uma outra, com ter sido abandonada numa estação de trêm. Eu era pequena e a TV tinha sempre uma influência direta ou indireta nestes pesadelos. Além disso, eram passageiros. Você sonha uma vez e não sonha mais. São uma expressão de um momento e pronto.
Não foi o caso do "cômodo-que-ninguém-ia".

Não posso dizer também que era um pesadelo... Mas quando você sonha duas a três vezes por semana com o mesmo sonho, você começa a achar aquilo pesadelar...
Era um padrão repetitivo.

Toda vez que eu sonhava que estava em casa, nela havia um cômodo que ninguém ia. Toda vez que sonhava que estava na escola, tinha uma sala em que ninguém entrava. Toda vez que sonhava com qualquer ambiente fechado... pronto! Tinha uma sala, um cômodo, que ninguém estava autorizado a entrar.

Na maioria das vezes era só uma porta. Fechada. Coisa simples. Em outras era representada por um corredor tortuoso no qual ao fim se encontrava a tal porta trancada.
Nesses sonhos eu passava pelo corredor e via a porta. Sabia que era proibido e só. Ignorava e continuava sonhando. Em outras vezes alguém, um circunstante de sonho qualquer, fazia um comentário: "Não entre ali. É proibido." Eu obedecia e seguia minha noite normalmente.

Esse padrão vinha se repetindo por semanas, talvez uns dois meses, até que uma noite eu estava mais consciente.... e mais curiosa.

Me vi numa casa antiga enorme.
Eu estava de pé no meio de uma sala - Sabia que sonhava. Até ri comigo mesma - Olhei em volta e uma decoração rústica ocupava o ambiente. Cadeiras torneadas ao redor de uma grande mesa de madeira no mesmo padrão. Estandartes nas paredes. Castiçais sobre o aparador escuro. Poderia ser um castelo. Sim, era. Um daqueles bem cliché.

Em uma das paredes havia um portal que dava para um corredor. O tal corredor, pensei.

Avancei para ele. Pra quê ficaria parada ali? Sabia que devia seguir... E agora, que sabia que estava sonhando poderia explorar aquele ambiente diferente.
Caminhei um pouco. As paredes de pedra eram iluminadas por tochas espaças. Eu ficava mais tensa ao andar.
O corredor era extenso demais e fazia uma leve curva aonde parecia mais escuro. Não dava para ver seu fim.

Agora meus passos faziam barulho no piso de mármore. Só ouvia a mim mesma. O silêncio era gritante.
Eu sabia que encontraria a porta... e sabia também que ela não estaria trancada... Fragilizada, minhas mãos se uniram sobre meu peito, e conforme eu caminhava eu ficava mais suspeita.
Mais escuro e eu mais amedrontada.
Um film noir começava a se formar em minha cabeça... imaginei a porta aberta... algo aterrorizante em seu interior... Talvez um vampiro, um monstro... Quem sabe um serial killer?... O quê? O que poderia ser?
Meu coração palpitava!

LUZ!

Acordei assustada.
Olhos arregalados, o coração ainda batendo forte.
Não consegui virar a curva e chegar até o fim do corredor... era muito assustador.

-- Acalme-se, Alya! É só um sonho. - falei pra mim mesma.

Ofeguei um pouco, depois deitei. Demorou algum tempo para eu voltar a dormir, e quando consegui, estava eu lá, incrivelmente, no ponto em que parei!!!

Tornei a acordar. Que droga! Meu peito reclamava angustiado.
Meu impulso foi correr para a cama dos meus pais e dormir por lá... mas eu já era bem grandinha para aquilo... daí me controlei. Virei de lado e vi minha irmã em seu soninho perfeito na cama vizinha. Me contentei com sua companhia e relaxei. Fiquei zanzando pelos pensamentos até que o dia clareou e levantei para ir para a escola.

Sabia que numa outra noite tornaria a ver a porta. Sabia que não tinha opção a não ser entrar naquele cômodo que ninguém ia. Tinha que fazê-lo. Acabar com aquele padrão.

Pois bem, dois dias depois, naquela mesma semana, sonhei que estava em casa. Sonho banal.
Entrei no corredor da copa e... não era mais o corredor que dava para a copa... era aquele corredor. Reconheci de imediato. Estagnei.

A consciência me veio clara. Sabia que sonhava.
Olhei em volta. Nada de assustador. Só o mesmo corredor com uma flâmula iluminando alguns metros adiante de mim. Desta vez me sentia mais forte. Avancei.
O mesmo silêncio; só o barulho de meus pés no piso frio. Estaria descalça? Sei lá!
Continuei andando. Controlando o pavor. Os punhos apertados.

Finalmente venci a curva e via a porta, desta vez representada por uma pesada porta de madeira num estilo que combinava com o corredor medieval.
Avancei timidamente e segurei a argola que fazia a vez da maçaneta. Neste momento, ouvi uma voz, doce e clara, parecendo ser feminina:

--Tem certeza que vai entrar? Você será modificada para sempre....

Não me assustou. A voz estava atrás de mim. Não me virei para ver. A voz parecia apenas querer avisar. Esclarecer. Não impor ou proibir.

-- Eu tenho que fazer isso. - respondi taciturna, mas decidida, ainda olhando a argola que segurava.

Não houve resposta.
Eu fiz uma pequena força e empurrei a madeira deixando o cenário se descortinar a minha frente.

(Continua)

0 Comentários: